Eudes Quintino de Oliveira Júnior
Não há lei específica regulamentando a licença-maternidade para pares homoafetivos. A jurisprudência pátria, na interpretação analógica da legislação existente para o relacionamento hétero, estendeu a eles os mesmos direitos.
domingo, 14 de julho de 2019
Inovadora decisão, até mesmo com roupagem de vanguarda, foi proferida pelo juízo da 5ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal que deferiu tutela de urgência para conferir licença-maternidade de 120 dias para uma servidora que vive em união estável com a companheira que terá um filho. Ambas procuraram por uma clínica de reprodução assistida e sua companheira, sem se valer da gestação compartilhada na união homoafetiva, submeteu-se à fertilização in vitro, que resultou na gravidez. Diante disso requereu a licença maternidade de 120 dias à empresa, que deferiu somente 20 dias. Daí o pleito ao Judiciário. Trata-se, conforme se observa, de um relacionamento homoafetivo formado por duas mulheres em que uma delas se submeteu à fertilização in vitro, com a consequente gestação de um filho, sendo que, além dela, sua companheira não parturiente foi aquinhoada com igual licença-maternidade. A família, nos moldes da interpretação atual, apesar das variadas formas de constituição que permitem um alargamento em sua estrutura originária, conserva ainda a formatação de um núcleo doméstico, quer seja no relacionamento de casais heteroafetivos ou homoafetivos, cabendo, desta forma, na conceituação do artigo 226 da Constituição Federal, vez que já se solidificou o entendimento contrário a uma interpretação reducionista, estabelecendo restrições entre as entidades familiares. Tanto é que a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277/DF e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132/RJ, ambas julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, reconheceram plena igualdade em direitos e deveres dos casais heteroafetivos e homoafetivos. Não há lei específica regulamentando a licença-maternidade para pares homoafetivos. A jurisprudência pátria, na interpretação analógica da legislação existente para o relacionamento hétero, estendeu a eles os mesmos direitos. A diferente opção sexual não corresponde a uma exclusão da pessoa em razão da omissão legislativa. Na legislação ordinária são concedidos para os funcionários de empresas privadas 120 dias e para o serviço público federal 180 dias e, no caso dos pais, 5 e 20 dias de licença-paternidade, respectivamente. A lei 11.770/08, que instituiu o Programa Empresa Cidadã, ampliou em mais 60 dias de licença, totalizando 180, às funcionárias da empresa que aderir à proposta, além de obter benefícios fiscais. Estudantes grávidas são regidas pelo decreto-lei 1.044/69, que confere três meses de licença a partir do oitavo mês de gestação. Tramita o projeto de lei 2.350/15 que amplia o período de exercícios domiciliares às estudantes grávidas para seis meses. Não se pretende contestar a sentença referida no início. Pelo contrário, vem permeada do mais apurado cânone democrático que emana da Constituição Federal, pois conseguiu ampliar a ótica da lei nela inserindo a dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais do Estado democrático de direito, para que possa ocorrer a realização da cidadania em toda sua plenitude. Desta forma, em todos os casos, deveria prevalecer a regra imposta na sentença, observando também que o Estatuto da Infância e Juventude prevê o princípio do melhor tratamento à criança. Mas a questão que se levanta é que a companheira que recebeu o benefício não cedeu seu material reprodutivo para gerar o embrião e transferi-lo posteriormente para o útero da outra, na modalidade conhecida como gestação compartilhada. Ambas seriam mães. Uma genética e a outra biológica. Mas, no caso discutido, não ocorreu tal hipótese. A convivente não vivenciou a gestação do filho. Pelo parâmetro da isonomia e não pelo fato de ser mulher, não tem como ser guindada ao status da companheira, que levou a cabo a gestação e o parto. Assim, deveria prevalecer a regra que somente a que exerceu a maternidade em sua plenitude deveria ser merecedora dos benefícios da licença-maternidade de longa duração. Seria mais coerente e condizente com a interpretação que se busca diante da omissão do legislador. Na realidade, prevalecendo tal decisão, deixa transparecer um tratamento desigual com relação aos casais heteroafetivos e aos casais homoafetivos do gênero masculino, em que cabe somente à mulher a licença maternidade com o prazo dilatado e ao homem um período mais curto. Tanto é que a interpretação, pelo estágio atual do Direito, conforme muitos tribunais vêm decidindo, com suporte legal no princípio da isonomia, deveria ser concedida licença-maternidade à genitora parturiente (licença parental de longo prazo) e licença-paternidade à companheira (licença parental de curo prazo).
*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da UNORP, advogado.