Josimário Silva
A população brasileira foi tomada de assalto por um vírus que uma vez instalado no País deu início ao seu devastador poder de dizimar vidas humanas, mas diga-se de passagem ele é bastante democrático. Senão vejamos: Ele consegue atingir a todos (princípio da igualdade), sem preconceito de raça, cor, gênero, classe social, rico ou pobre (fundamentos da dignidade humana). Invoca para seu enfrentamento princípios bioéticos e jurídicos (como solidariedade, empatia, respeito a autonomia, boa fé subjetiva, beneficência, não maleficência, justiça, veracidade, responsabilidade, probidade, transparência, etc), mas muito pouco desses princípios estão sendo usados. Nasceu nas florestas da China, do outro lado do mundo e tem uma capacidade extraordinária de fazer longas viagens e como latifundiário colonizou os cinco continentes e por onde passou deixou cicatrizes que a história não apagará. Demonstrou que não tem nenhuma empatia pelo o ser humano e como um genocida vem fazendo destruição humana em massa, superando o números de vidas perdidas em muitos conflitos armados que ocorreram ao longo da história. No Brasil ele desembarcou de avião ou de navio transatlântico. Ao desembarcar no País com uma bagagem genética altamente destruidora (segundo alguns estudos sinalizam que já houve mutação do vírus aqui no Brasil, esses estudos revelaram que 80% do material genético do novo vírus é igual ao da SARS (Síndrome respiratória aguda grave. O vírus foi de imediato para uma classe social mais privilegiada economicamente. Entrou nos lares da classe média alta, procurou os mais vulneráveis como os idosos e pessoas com comorbidades, mas insatisfeito começou a atingir outras pessoas em idades distintas. Não se conteve e resolveu sair para as ruas, subiu o morro, entrou nas comunidades pobres, nas favelas, na periferia e agora viaja para o interior do Brasil. Ao chegar nesses ambientes, se deparou com uma realidade propicia para sua insaciável fome por corpos. Ambientes insalubres, aglomerado humanos sem privacidade e sem dignidade nas condições de moradia, muitos esquecidos pelo poder público (A Ética Pública tem um papel importante em promover meios dignos para as populações terem dignidade para morar e manter as condições sociais, educacionais, de segurança e saúde adequadas). Essas populações sem condições de enfrentamento pela pobreza, pela dificuldade do isolamento social com moradias cheias de pessoas e falta de espaços estão sendo abatidas. Pessoas que precisam se expor ao risco em ônibus lotados, trens, metrôs, barcas, filas para receber auxílios governamentais serão presas fáceis para o vírus. Deu-se início um processo de extermínio em massa. Os hospitais, a última trincheira, estão totalmente cheios de pacientes que lutam desesperadamente pela à vida. Os soldados da linha de frente (os Profissionais da saúde) estão sendo abatidos dentro de seu território (o hospital) o que demonstra que o inimigo é muito poderoso e uniformiza à todos. Profissionais e pacientes. Ambos vulneráveis, ambos vulnerados, portanto há uma democracia sinistra. De uma ética distributiva onde todos tem acesso ao sistema de saúde, e o SUS fundamenta essa lógica pelos Princípios da Universalidade, Integralidade e Equidade, promovendo mesmo com os recursos finitos, o acesso da população ao sistema de saúde e com isso evitando à mistanásia, para uma Ética Utilitarista onde a ideia é salvar o máximo de pessoas viáveis e que de uma certa forma coabita com o conceito da beneficência ( quando a vida é salvável use todos os recursos para tal, ou seja maximizar os benefícios) portanto, a lógica dessa teoria ética é salvar os que demonstram melhor capacidade de suportar os danos e ter uma chance real de superar as doença. Lembramos sempre que princípios que fundamentam uma ética coletiva devem ser priorizados, como não maleficência e justiça, sem obviamente desconsiderar a autonomia e a beneficência que são princípios do indivíduo. Outro fator importante em Bioética é que não deve haver hierarquia entre os princípios e sim uma sopesamento quando há conflitos entre eles para identificar que princípio em uma determinada situação deve prevalecer, daí definir os princípios como prima fácie. Na última trincheira (o hospital) o eufemismo da Escolha de Sofia, passa a ser palavra usual nas UTIS e no imaginário coletivo. A escolha é: quem vive? Quem morre? Quem deve tomar essa decisão? Quem vai para o respirador quando há mais pacientes que equipamentos? São dilemas éticos, e como qualquer dilema não há uma solução adequada. O dilema não realiza o maior número de valores em questão. A escolha sempre será UM ou OUTRO. Estamos percebendo nesta pandemia que as situações estão sendo levadas para o DILEMA e isso não é interessante e traz mais sofrimento para o tomador de decisões. Precisamos deliberar. O vírus causa uma gama de sintomatologia muitas vezes atípica pela sua fisiopatologia ainda desconhecida e altamente letal. Pneumonia silenciosa, CID, Síndrome tóxica em crianças, processo inflamatório intenso, anosmia, entre tantos outros sintomas que caracterizam os pacientes mais graves, e ainda teremos que lidar com os pacientes sequelados pós covid, esses pacientes apresentam graves sequelas funcionais. Os profissionais de saúde dos Serviços Públicos estão expostos ao vírus. Faltam EPIs ou são de baixa qualidade, falta medicações, o ambiente é propício para contaminação por ser insalubre, sem planejamento estratégico para minimizar ao máximo os riscos de contágios para os profissionais. Sem considerar parâmetros éticos e bioéticos, a atenção foi totalmente focada no doente mais grave e não pensaram em promover proteção para os profissionais (por seu valor instrumental) e nos pacientes menos grave os quais sem sombra de dúvidas podem piorar o quadro clínico e contaminar outras pessoas a atenção é secundária. Os testes são insuficientes quando não falhos, além de muitas coletas inadequadas. O Hospital vem disputando com a comunidade a liderança do local onde ocorre o maior número de contágio. Toda as vezes que chego no plantão recebo a notícia que um colega testou positivo ou morreu de covid. O vírus foi politizado. Quando o vírus assumiu um partido foi direto à Brasília procurando ser reconhecido pelo o executivo. Mas foi subjulgado como uma “gripezinha”. Diante disso, o vírus se tornou mais feroz e na sua insaciável fome de corpos, foi para o interior do País e como as populações não estavam preparadas para recebe-lo, o massacre está sendo ainda maior. O vírus na sua arrogância deu de frente com a morte. Se apropriou do corpo já abatido e desferiu o último golpe “não há despedida”. O caixão já escasso, é blindado. Os parentes não conseguem se despedir do corpo blindado e enterrado sem nenhum pudor nem respeito a qualquer hora em covas coletivas. Outra característica do vírus é demonstrar também uma certa ruptura com alguns princípios éticos e Bioéticos.
Solidariedade: É compromisso ético pelo qual as pessoas se obrigam umas às outras. É um ato de bondade e compreensão com o próximo ou um sentimento, uma união de interesses ou propósitos entre os membros de um grupo. Resultado: Baixa adesão ao isolamento social; Foi necessário medidas mais rígidas. Há quem a justifique em função das questões econômicas, principalmente para o mais desfavorecido social e economicamente.
Empatia: Na empatia você se resignifica no outro que sofre. Na sua biografia, na sua narrativa. Resultado: O excesso de atendimento, a fadiga emocional e necessidade de atender no limite aos pacientes, leva a falta de empatia que é extremamente necessária na relação clínica.
Alteridade – Foi esquecida. O outro pode ser meu inimigo (pode me contagiar)
Autonomia – As pessoas não têm “voz” os representantes não estão próximos, as decisões estão dentro das UTIs e protegidas pelos profissionais sem ser compartilhadas com seus representantes legais.
Não maleficência como princípio ético não é bem vista, pois o pensamento é usar mesmo o que ainda não tem comprovação científica.
Alocação de Recursos: Os recursos são finitos e as demandas crescentes. Precisamos racionalizar o uso responsável de matérias médicos, mas nesse momento precisamos priorizar a vida e isso implica em aumentar os recursos. Precisamos coordenar as ações e planejar passos futuros.
Triagem: Na medida em que a doença avança, é extremamente necessário pensar em triagem. O sistema de saúde nesse ritmo vai saturar, não podemos deixar nesta condição para pensar no pior cenário. Ele deve ser planejado já. Quais os critérios de elegibilidade para o atendimento? Quais princípios éticos devem reger no pior cenário? É muito importante criar “Comitês Decisionais”. São Comitês formados com profissionais (intensivistas, paliativas, biotecistas, infectologistas, dentre outros) que teriam a função de analisar os casos com maior complexidade de decisão com por exemplo suspender ou não instituir tratamentos. Esse Comitê vai de forma compartilhada promover orientações éticas e técnicas para diminuir o stress emocional vivido pelo o profissional da ponta e como isso diminuir o sofrimento moral na escolha de quem vive e quem morre.
Ética Pública: O Estado não vem cumprindo de forma adequada nesta crise e o reflexo disso é que muitas vidas que poderiam ter sido salvas foram perdidas. E outras serão. A politização do vírus está sendo um dos fatores que vem mais contribuindo para o aumento da estatísticas de morbi/mortalidade. Conclusões Sem ações coordenadas, com protagonismos individuais, e politização da pandemia aumentará em muito o número de morbi/mortalidade. A sociedade tem um papel importante. Uma parte dessa luta está em nossos mãos enquanto cidadãos e cidadãs que é o isolamento social e demais medidas protetivas. Precisamos unir esforços e deliberar na busca de caminhos prudentes ainda em quanto é tempo. Precisamos construir os caminhos. Precisamos aprender com essa pandemia a não sermos os mesmos.
*Josimário Silva é Coordenador da Rede Bioética Brasil.