Josimário Silva
Coordenador Nacional da Rede Bioética Brasil
Deveria ser o paciente o principal protagonista na tomada de decisão nas questões de saúde que lhe diz respeito? Se sim, estaria ele capacitado para fazer uma escolha autonômica?
sexta-feira, 29 de janeiro de 2021
Introdução
Na prática médica modelada pelo paternalismo, o dever de informação ao enfermo nunca foi uma grande preocupação por parte do profissional, principalmente pelo fato do médico intervir para “salvar a vida do paciente” e o paciente não ser protagonista nas decisões. Cabia ao médico tomar as decisões baseadas na melhor evidência científica, na experiência do profissional e nos recursos disponíveis. Com a emancipação do paciente, o modelo paternalista começa a sofrer uma ruptura, e o paciente passa a assumir um protagonismo até então improvável. Essa mudança de paradigma, faz surgir os conflitos morais, onde pacientes e profissionais com visão distintas do que seja o maior benefício, disputam o espaço da autonomia de vontade para exercer o protagonismo da tomada de decisão.
A respeito a autonomia do Paciente
No Capítulo IV DIREITOS HUMANOS do Código de ética Médica diz:
É vedado ao médico: Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.
Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
No código de ética médica, o paciente tem um lugar privilegiado no que se refere ao seu protagonismo, devendo ser informado, esclarecido, ter a possibilidade de fazer escolhas, de não coagido para uma escolha específica e inclusive de recusar o tratamento ou procedimento. Concepção também codificada no Instituto Código Civil Brasileiro de 2002. Diz o art. 15 do Código Civil de 2002: Ninguém pode ser constrangido a submeter- se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.”A autonomia no contexto atual, impõe uma responsabilidade muito importante, que é a consequência do ato, é assumir os desdobramentos da decisão tomada, mas há um dever fundamental para que a autonomia seja considerada plena que é o da informação de forma clara, não ambígua, tirando as dúvidas e se certificando se o paciente está compreendendo. Enfatizando que se trata de “um processo informativo” e não apenas da informação, pois é necessário que haja compreensão e esse fenômeno intelectual exige tempo, processamento mental e análise de riscos e benefícios. Com isso, fica evidente que o processo de informação é dinâmico e empático, imputando ao comunicador o dever moral e legal de esclarecer ao máximo para que sejam mínimas as incertezas, as quais nunca deixaram de existir porque a medicina é uma ciência complexa e dinâmica, onde o raciocínio ético-clínico é dedutível e não apodítico. O direito à informação é um pressuposto básico e essencial para se fazer uma escolha
No art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, afirma que é um dos direitos básicos do consumidor é a “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam”
Há um dever de informar por parte do médico para obter o consentimento do paciente a respeito de uma intervenção médica, seja diagnóstica ou tratamento, como há um direito do paciente ser devidamente informado. Proporcionar uma una adequada informação é imprescindível para o profissional manter uma relação com o paciente de honestidade, diligência, responsabilidade e respeito ao ser humano. É essencial que o profissional compreenda que as decisões devem ter sempre o melhor interesse do paciente.
Consentimento informado
Podemos definir o consentimento informado como um processo gradual e contínuo, podendo ser transcrito para um papel e se tornando um documento, que será apresentado ao paciente capaz e adequadamente informado por seu médico, podendo aceitar ou não aceitar a se submeter a determinados procedimentos diagnósticos ou terapêuticos, em função dos seus próprios valores. Surge do reconhecimento e da importância que tem os enfermos de poder participar no processo de tomada de decisões que lhes afetam, daí ser fundamental a informação.
O consentimento informado não é “meramente um documento”, mas sim um processo, porque a informação deve ser oferecida de forma contínua para que as decisões sejam compartilhadas por meio da compreensão pelo paciente dos riscos, benefícios, limitações e possibilidades da intervenção. O tempo é um parâmetro de qualidade ética nesta relação e portanto a qualidade ética da assistência prestada. Na atualidade se considera uma boa qualidade assistencial aquela que leva em conta a opinião do paciente e de seus familiares e/ou representantes.Os objetivos do consentimento informado podemos classificar da seguinte maneira. Um de caráter ético teleológico que é primário: a) respeitar a pessoa enferma em sua dignidade e seus direitos, b) assegurar e garantir uma informação adequada, que permita ao paciente capacidade de participar da tomada de decisão que lhes afetam. E outra de caráter ético deontológico, que é secundário: a) respaldar a atuação dos profissionais, fazendo com que o profissional tome decisões compartilhadas com os pacientes e seus familiares, b) determinar o campo de atuação dentro do qual pode o profissional desenvolver ações médicas licitamente.Com relação aos benefícios que um processo adequado de consentimento deve promover ao paciente, está um tratamento que foi proposto considerando valores do paciente, um processo dinâmico de construção de informação que dá tempo de entender todo o processo, e adesão ao tratamento na grande maioria das vezes por perceber que o profissional foi zeloso, diligente, honesto. E acima de tudo, ajuda a promover a autonomia do paciente na tomada de decisão nas medidas propostas. O consentimento informado serve de base ao diálogo sobre a compreensão da enfermidade, tornando mais clara a qualidade da relação clínica.
Considerações finais
Apesar do caráter legal que o consentimento informado impõe à relação médico/paciente, seu fundamento é ético e deve ser construído com esse olhar. É um grande equívoco quando o profissional pensa e elabora um consentimento como se fosse um instrumento de auto defesa jurídica e de transferência ao paciente de responsabilidades do profissional. A relação médico/paciente sempre será assimétrica pelo fato do enfermo está fragilizado, vulnerável e cheio de expectativas e incertezas diante do adoecimento, e esse fato impõe ao médico o dever de identificar e promover a maior benefício ao paciente, sem empreender ações diagnósticas e terapêuticas obstinadas, tornando a terapia fútil e desproporcional. Lembrar que o ponto crucial para o consentimento é a capacidade da pessoa decidir. Essa capacidade supõe compreender e assimilar as informações pertinentes à decisão que vai tomar, especialmente no que se refere as consequências de fazer ou não fazer a intervenção médica proposta. E finalmente entender que o paciente deve estar em condições de ponderar diante da informação e no processo de tomada de decisão. O consentimento é acima de tudo um processo construído com base em valores e não deve ser entendido e aplicado como uma norma dissociada do caráter ético.
*Josimário Silva é Coordenador da Rede Bioética Brasil.